segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Abri os olhos...


...e senti que era altura de colocar os pés a caminho...Sabia que era altura de me despedir do que tanto amava, do que tanto queria, do que tanto desejava...daquilo que mais me fazia feliz e que mais me fazia sofrer... Qual o caminho?! Eu não o conhecia, apenas sabia que tinha que seguir em frente... Fiz-me a ele... Era um caminho duro, longo, sofrido... Comecei... Ia descalça, tal qual uma criança anda descalça na frescura da relva, húmida do orvalho da manhã...mas este caminho não era fresco...não... Sentia os pés em brasa, picavam, doiam, sangravam... sabia que tinha que continuar em frente...continuei...

Segui e encontrei um desvio... poderia seguir por ele...era mais rápido...era menos doloroso...era mais fresco... " Não...-pensei- Se vais fazer isto vais faze-lo como deve ser...sem desvios...sabes que para esta viagem não existem caminhos fáceis!"

Segui pelo trilho principal...Continuava a sangrar...continuava a queimar...continuo a chorar...

e caminhei...caminhei...caminhei...caminhei...durante dia e noite... Pensava em mim em que sorte era a minha... nunca parei...nunca olhei para trás...mas a tentação era forte...Não o podia fazer...não podia por tudo a perder...não depois de tudo o que tinha passado...

Comecei a ver...ao fundo desta rua...não sabia o que era mas sabia que era para lá que queria ir...continuei...

Encontrei...finalmente encontrei...

A praia era calma...só conseguia ouvir o mar...sentir no ar o cheiro a maresia...Vi a casa... vi o seu alpendre...fui para lá...

Cheguei...Olhaste-me com um olhar gelado...ja sabias o que se passava, porque tinha feito esta viagem...do que precisava...precisava tempo...Só Tu mo podias dar...

Sentei-me na cadeira ao lado da tua... e olhei o mar...como estava calmo... continuava a sangrar...mas não me importava... Sei bem que por muito que pense que não tenho mais sangue continuarei a sangrar...por muito que pense que não tenho mais lágrimas, continuarei a chorar...

Mas, por agora só preciso de ti a meu lado...Só preciso que fiques onde estás... quieto, calado, mudo, silencioso...preciso apenas que continues a olhar em frente...comigo...na mesma direcção...

Preciso apenas que me dês apenas uma coisa... tempo... depois falaremos sobre o mar...mas por enquanto olha apenas...dá-me tempo...apenas o simples, o imparável, aquele que tudo cura e tudo ajuda a curar tempo...
Tempo
"Tempo — definição da angústia.
Pudesse ao menos eu agrilhoar-te
Ao coração pulsátil dum poema!
Era o devir eterno em harmonia.
Mas foges das vogais, como a frescura
Da tinta com que escrevo.
Fica apenas a tua negra sombra:
— O passado, Amargura maior, fotografada.
Tempo...
E não haver nada,
Ninguém,
Uma alma penada
Que estrangule a ampulheta duma vez!
Que realize o crime e a perfeição
De cortar aquele fio movediço
De areia
Que nenhum tecelão
É capaz de tecer na sua teia! "
Miguel Torga, in 'Cântico do Homem'

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Desta janela vejo...


Olho para o fundo da memória… consigo ver-te como se visse o teu reflexo na superfície de uma bola de sabão… como me fazes sorrir… nunca ninguém o conseguiu fazer dessa maneira… dou por mim feita tonta a olhar para a janela do infinito e a sorrir…sorrir de imaginar como estarias a fazê-lo se estivesses a meu lado… Desta janela vejo o passado…Risos ecoam na minha mente…hum…os risos da felicidade… mas acabou…chegou ao fim como se tratasse de um intervalo de escola… Intervalo onde brincámos, rimos, jogámos e onde a nossa imaginação voou… e voou longe…Contigo fui princesa aprisionada num castelo guardado por feras terríveis…bailarina que rodopiava, saltava, dançava em pontas como se estivesse equilibrada num fio…mas todo o fio parte… e este também partiu… partiu-se o fio mas ficou o resto da corda em seu lugar… a corda da amizade não se partiu…Por isso não estou triste…mantenho o sorriso e continuo a sorrir por essa janela aberta…Mas, agora é tempo de voltar a brincar… de inventar novos jogos…jogos de cores novas, de um azul quente, de um vermelho que refresca… É tempo de fechar, fechar não, deixar entreaberta a janela da qual vejo o passado…assim posso espreitar sempre que quiser…É altura de abrir a porta ao futuro que chega…




Visita-me Enquanto não Envelheço

visita-me enquanto não envelheço

toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me

com teu rosto de Modigliani suicidado


tenho uma varanda ampla cheia de malvas

e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores


ver-me antes que a bruma contamine os alicerces

as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo

subindo à boca sulfurosa dos espelhos


antes que desperte em mim o grito

dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão

derrama-se quando tua ausência se prende às veias

prontas a esvaziarem-se do rubro ouro


perco-te no sono das marítimas paisagens

estas feridas de barro e quartzo

os olhos escancarados para a infindável água


com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite

sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te "



Al Berto, in 'Salsugem'

sábado, 1 de novembro de 2008

Tudo é eterno enquanto dura...

Noite…Aconchego-me no frio da noite, no silêncio das palavras que ficam no ar, no ruído das palavras que ficam por dizer e que latejam no coração… Sinto no ar o odor castanhas assadas…Recordações outros tempos, outras eras, outras disposições, outros amores, outras paixões… Vontade de regressar, de recuperar a inocência perdida… A noite está a ficar fria demais… ou serão as recordações que me gelam por dentro? Sentada, naquele sítio que tanto me conforta a alma sinto parte de mim a deixar-me como que levada por um anjo, o anjo de negro …

“Agarra-me a mão! Leva-me para longe daqui!”
“ Não posso!”
“Porquê?”
“Porque não é esse o teu verdadeiro desejo. Tu queres ficar, tu queres ver, viver, vencer, sorrir, cantar, saltar, chorar…”
“Mas não consigo…”
“Consegues… Procura dentro de ti que vais encontrar o que precisas… e nem tens que procurar muito por essa energia… sabes onde está guardada… mas sabes também que te vai custar muito mexer nela de novo…”
“Tenho medo! Tenho medo de desenterrar males antigos, de mexer em feridas já saradas… de passar por tudo outra vez…”
“Aproveita enquanto dura…pois só assim os momento serão eternos…”
“Mas vou voltar a chorar…”
“Pois vais… e sabes que não será a última vez…Voltarás a chorar mais vezes, vais voltar a sangrar, vais voltar a amar…e depois voltarás aqui… e eu vou estar mais uma vez aqui para te lembrar de tudo o que és capaz, de quem és, qual é a tua verdadeira essência…”

Respiro fundo…olho à minha volta…sinto-me a voltar a mim própria… Limpo os olhos… Sinto de novo o frio à minha volta…Serão as recordações? Não…essas aquecem, mantêm-me viva, dão-me força para lutar, espernear, gritar, seguir em frente… Levanto-me… Hum onde será que estão as castanhas?





“Tanta pressa temos de fazer, escrever e deixar ouvir a nossa voz no silêncio da eternidade, que esquecemos a única coisa realmente importante: viver…”

Robert Stevensen

“Se o nosso espírito pudesse compreender a eternidade ou o infinito, saberíamos tudo. Até podermos entender esse facto, não podemos saber nada!”

Fernando Pessoa

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Preto brilhante



No ar senti soltarem-se as asas do desejo... Embriegada de emoções, de sensações, de vontade... Sem sentir, o meu corpo mexeu-se para onde a razão não mandava... os olhares tocaram-se, afastaram-se, sorriram... Voltamos a cara... Seria certo? Seria errado? Senti os grilhões da racionalidade a prenderem-me à terra e a leveza da vontade a impulsionar-me para cada vez mais alto... Senti um esgar de dor... "Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh" gritei por dentro...

Soltei-me... Senti-me a flutuar...O peso da culpa esvaneceu-se e senti-me inundar de felicidade por um momento com final marcado... Afoguei-me no doce perfume do desejo...

Minhas mão percorriam o caminho como se ja o conhecessem...e conheciam, sentiam, vibravam... Todo o meu corpo tremia, pulsava energia... O frio do teu corpo quente fez-me baixar de novo à realidade...Que estavas tu a fazer? Que estava eu a fazer? Que estavamos nos a fazer? De novo estava ser puxada para baixo... a Razão fazia-me acordar do mais doce dos sonhos... tentei ignora-la... não consegui... Quando pensava que tudo estava perdido puxaste-me de novo para junto de ti... Sentia o teu coração bater...A tua mão puxou-me de volta para o caminho... Não tive medo... apenas segui... tudo ficou mais claro...
No final inspirei como se estivesse a vir à tona d'água...






"Todos os desejos são contraditórios como o do alimento. (...) O desejo é mau e ilusório, mas, no entanto, sem o desejo não esquadrinharíamos o verdadeiro absoluto, o verdadeiro ilimitado. É preciso ter passado por isto. Infelizes os seres a quem o cansaço subtrai esta energia suplementar que é a fonte do desejo. Infeliz, também, aquele a quem o desejo cega. É preciso arrastar o desejo até ao eixo dos pólos. "

Simone Weil, in 'A Gravidade e a Graça'